terça-feira, 27 de março de 2012

Uma ode de amor à pureza lírica dos JRPGs

Dei mais uma sumida, mas desta vez não foi por problemas psicológicos. Bem, de um certo ponto de vista, é um problema psicológico. Basicamente, chegou a minha cópia de Tales of the Abyss do 3DS. E, desde então, não tenho mais conseguido me concentrar em nada. Viciei completamente nesse jogo, como há muito tempo não me viciava.

Então, para dar uma mudada nos ares deste blog, que até agora só tem parecido um saco de vômito de ódio, resolvi escrever sobre algo que eu gosto, e muito: JRPGs.

Um explicação para quem não está costumado com o termo: Japanese Role-Playing Games são os RPGs feitos no Japão. Os mais famosos, creio eu, são as séries Pokémon e Final Fantasy. Existem diversas variações entre cada série, e, no fundo, até acho meio complicado colocar tudo no mesmo saco. Mas a base do conceito é: jogo de RPG feito no Japão.

Agora, se você não sabe o que é RPG, pode desencanar de ler o resto.

E um pequeno adendo antes de eu continuar, estou separando RPGs estratégicos de turno (Fire Emblem, Disgaea, etc) dos JRPGs que estou discutindo agora, pois pra mim são duas coisas diferentes.

Enfim. Chega de ficar explicando o básico.

Onde eu tava?

Are you a boy or a girl?

Ah, sim, eu adoro JRPGs. Eu amo subir meus personagens até o level 100. Eu tenho pequenos orgasmos toda vez que abre a tela de batalha. Meu espírito se enche de determinação quando vejo quantos pokémons ainda faltam para eu capturar, ou quantos itens desnecessários para completar o jogo mas que são colecionáveis de alguma maneira faltam para eu achar.

Sim, eu tenho um problema.

Mas é sério, eu realmente gosto de lutar infinitamente inimigos aleatórios para ficar ganhando experiência e assim subir de nível. É algo tremendamente satisfatório. Me realiza enquanto ser humano.

E acho que aí está boa parte do “appeal” de JRPGs, ou de games em geral. Ao contrário da vida real, seu esforço é recompensado. Você treina, treina, treina e consegue passar de fase. Eventualmente, você termina o jogo. E aí vem a sensação de realização, de que você conseguiu fazer alguma coisa, ou que pelo menos você ajudou esses personagens a salvar o mundo ou coisa parecida.

O fato de RPGs associarem um número a isso (o seu level) deixa a coisa toda ainda mais gratificante.

É como se eu estivesse recebendo uma nota boa, e proporcional ao meu esforço. Coisa que não tive na vida real desde que fui pra faculdade.

Acho que esse conceito de nota que deixa a coisa toda ainda mais asiática, digamos assim. Já que eu posso ser preconceituoso com minha própria etnia, associar nossa existência enquanto ser humano a um número nos realiza.

Além disso, existe toda uma série de fatores que se repetem em todo santo JRPG que serve para nos manter numa zona de conforto, onde sabemos o que esperar do jogo.

Por exemplo, já que estamos falando de levels, dá pra saber quão longe você está do final do jogo por ele. Tudo bem que alguns jogos só vão até o level 50, mas no geral dá pra saber se você tá acabando pela distância do seu personagem em relação ao level 100.

Não importa que os personagens estão falando que esta vai ser a batalha final da vida deles, e que tudo será novo depois do dungeon X, se você ainda está no level 63, você sabe que ainda vai ter algum outro senhor das trevas depois.

Outra coisa muito comum é o conceito do “veículo que te permite ir pra qualquer lugar”. Apesar de eu nunca ter jogado Final Fantasy, acho que o mais famoso desses que existe é o infame Chocobo Dourado de FFVII. Apesar do glorioso HM de Fly de Pokémon também ser um forte indutor de orgasmos múltiplos.

I believe I can fly, I believe I can touch the sky!

E é uma coisa linda o momento que você pode ir pra onde quiser. Você fica remoendo aquele baú que você ainda não tinha acesso no segundo dungeon, ou você sabe que perto do save point da terceira vila tinha um cara que comentou sobre o folha de camomila dourada para curar a vó doente, item que você acabou de ganhar num random drop de um inimigo qualquer da floresta que fica do lado da oitava cidade.

Sério, esses veículos são mais libertadores que carta de motorista.

Que mais?

Um hábito completamente TOC que eu tenho é GUARDAR TODA SANTA ARMA do jogo. Fico com a porra do inventory lotado de coisa, não vendo nada. Tudo por causa de um RPG que eu joguei (não lembro qual) que tinha um filho da puta de um ferreiro que fazia armas/armaduras mais baratas com as suas antigas. E, quando encontro o bastardo, tarde demais, já tinha vendido tudo. Nossa, como fiquei puto.

Até hoje, mesmo depois de confirmar no GameFAQs que não tem ferreiro nenhum nem faz a menor diferença guardar tudo, eu guardo. TUDO. Da espada de madeira simples do herói principal ao Cajado Élfico do Trovão Rimbombante do mago.

Paciência para acertar a foto no rosto do Link +1000

E os casinos?

Nossa, é uma relação de amor/ódio que eu tenho com isso. Muitos jogos eu só desencano, me encho de grana e compro fichas o bastante para pegar os itens que só tem no casino. Se bem que, dependendo do jogo, se tiver uma opção de pôquer, eu fico lá jogando sem parar até juntar a quantidade de fichas que eu preciso. Acho que os joguinhos do iPhone me ajudaram a ser mais paciente com essas coisas também.

E os inimigos que são o mesmo modelo de outro, mas com uma cor diferente, só pra economizar/mostrar que ele é de outro elemento? Foda-se você Darwin, a evolução funciona com mudanças básicas de cor.

E quando você dá um critical hit num pokémon lendário? Dá vontade de arremessar o DS na parede.

E quando alguém morre? Você podia ressuscitar o mané, mas ele morreu numa cutscene, o que significa que ele tem que morrer pra história continuar.

Pode parecer que eu estou reclamando, mas não, eu amo muito tudo isso. De verdade.

Sabem essas pessoas que enfiam a cabeça na janela pra gritar “gol” (ou “chupa, curíntia”)? Então, eu tenho vontade de fazer isso quando encontro um pokémon shiny ou consigo o amuleto prateado de safiras esverdeadas folheado a ouro que só os ursos de vento da região do Lago Espelhado do Norte te dão (com 1.3% de chance). Infelizmente, recebi um mínimo de educação dos meus avós, então não faço isso pra não incomodar os vizinhos.

Sem contar que é algo muito mais merecedor de comemoração que futebol.

Enfim, estou me perdendo nesse texto. Acho que é mais difícil pra mim falar de algo que eu gosto do que algo que eu odeio. Ou só sou um péssimo escritor mesmo.

Só quero falar de mais três coisas antes do fim:

1) Sempre tem um inimigo que é mais forte que o chefão final, e ele normalmente te dá um item fodão pra caralho e que deixa a luta final fácil. Mas é uma coisa meio tonta, já que você já se deu ao trabalho de lutar uma batalha épica só pra pegar esse item. Sem contar a questão que fica, algo como “por que esse bicho não foi lá e dominou o mundo?” ou “por que o senhor das trevas não se aliou com essa coisa?”

Mas, ainda assim, acho isso um fator essencial para todo santo JRPG. Quando não tem um desses, fico meio frustrado.

2) Enquanto eu escrevia este texto, o Kotaku publicou um editorial sobre JRPGs e como eles são chatos, mas de como isso é bom (vão lá ler pra entender). E doeu, quase desisti deste post. O argumento do cara é muito bom, acabei concordando e muito com ele. Ficar explorando a cidade, falando com todo mundo, vendo cada canto do dungeon, isso tudo faz parte da experiência, faz você ficar ainda mais imerso no universo do jogo. Eu sempre tive uma frase onde “Level grinding substitui horas de sono”. Ficar correndo e explodindo tudo é divertido, mas não se torna parte da sua vida. Acho que até dá pra fazer um paralelo entre JRPGs e games ocidentais com mangá e comics, ou mesmo o cinema japonês e o americano, onde os japoneses são mais contemplativos, e os americanos precisam de coisas acontecendo o tempo inteiro.

Taí um tema bom pra eu expandir um dia desses.

3) A única coisa que eu não consigo perdoar em JRPGs são lutas feitas pra você perder. O maior culpado que consigo me lembrar é Skies of Arcadia, que tem uma luta que o inimigo tem HP infinito. O pior é que eu tinha uma estratégia com os healers e os atacantes que eu mantinha todos os personagens vivos e ainda sentava o cacete na orelha do inimigo (que viria a ser o chefão final, se não me engano). Mas o filho da puta continuava vivo. E eu também. Até eu desistir e morrer, achando que tinha feito alguma coisa errada, demorou. E, quando descobri que o jogo continuava, que fazia parte da história eu perder essa luta, fiquei bem puto. Por isso, até hoje, tenho um certo “hrunf” com SoA, por mais que todo santo jogador de Dreamcast queira uma continuação.

Pra finalizar, só uma pequena lista com meus JRPGs favoritos, sem nenhuma ordem específica:


E agora, com sua licença, tenho que terminar uma segunda vez Tales of the Abyss, que tem um dungeon secreto que só tenho acesso depois que termino o jogo uma vez.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pau no cu do “Bom Selvagem”

Hoje o assunto é algo que me enche de raiva.

Sabem essa coisa que muita gente tem de achar que uma coisa é melhor só porque ela é “natural”?

Então.

Odeio isso.

Muito. Muito, muito mesmo. Fico com um certo mal-estar na região do estômago seguido de um arrepio nas costas e um princípio de tontura de tanta raiva. Daí eu tomo meu remédio.

Daí eu fico calminho, calminho...

Mas porque me irritar tanto com isso?

Existem três motivos.

O primeiro é muito simples: nada do que consumimos hoje em dia é livre do que podemos chamar de “contato humano”. Qualquer coisa que chega até você passou, em algum momento, por alguma interferência humana. Tudo. Da água tratada que sai da sua torneira até o creme hidratante de aloe vera escrito “100% natural” que você passa nas axilas toda manhã.

É até possível argumentar que a agricultura é uma intervenção humana na natureza, fazendo com que sua plantaçãozinha de hortaliças na área de serviço também seja “não-natural”, assim como os tomates “orgânicos” plantados numa fazendinha em Mairiporã e transportados de caminhão até o mercado.

Resumindo: a não ser que você esteja acessando este blog de uma aldeia que vive de caça e coleta, você não está fazendo nada de um modo mais “natural”. Aliás, só de acessar este blog você já não é mais tão natural assim.

Ou será que é?

Aqui entra o segundo motivo que me irrita com essa bosta toda: de certo modo, TUDO é natural.

Concreto? Natural. Penicilina? Natural. Chips de computador? Batata frita do McDonalds? Tetas de silicone? Tudo natural. No sentido de “da natureza”.

E o que faz isso tudo ser natural? A Seleção Natural.

A Seleção Natural é, digamos, a ferramenta que a natureza tem para determinar quais espécies sobrevivem, passando seus genes para frente, certo?

Acontece que, em algum momento da história do nosso planeta, a Seleção Natural selecionou (sim, eu sei, mas não consegui construir a frase de nenhum outro jeito) essa espécie de hominídeo como apto para sobreviver. Mesmo sem garras, presas, veneno ou qualquer outra vantagem. Só um teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor.

Isso permitiu que essa espécie construísse coisas. Ferramentas. Armas. Roupas. E assim conseguisse se adaptar aos mais diversos ambientes.

E as coisas que essa espécie criou e construiu foram evoluindo com o tempo, melhorando, nos tornando ainda mais aptos a sobreviver neste planeta.

Ou seja, a Seleção Natural determinou que uma espécie capaz de construir e desenvolver ferramentas se tornasse o topo da cadeia alimentar e, basicamente, dominasse o mundo. Toda e qualquer criação humana faz parte da natureza, pois é um meio de nós nos adaptarmos e sobrevivermos.

Deu pra entender? De um ponto de vista evolutivo, o tomate transgênico, o tomate cultivado com agrotóxicos e o tomate orgânico são a mesma coisa: uma ferramenta desenvolvida pelos homo sapiens sapiens para sobreviver.

Logo, TUDO é natural.

TUDO!

E eu gosto muito de brincar com esse conceito, pensar que um espetinho de manteiga empanada é tão natural quanto uma alface é algo muito divertido.


O problema é que isso meio que “quebra” a utilidade da palavra “natural”, gerando um problema semântico.

Então vamos traçar uma linha onde a palavra “natural” separa as criações humanas daquilo que não houve interferência humana, ignorando o ponto de vista evolutivo, para que a semântica e a sociedade civilizada continuem funcionando, e ignorando as interferências de outras espécies no planeta, como represas de castores ou desmatamentos causados por formigas.

E porque a espécie humana é mais especial sim, pois é a nossa espécie.

Assim chegamos ao terceiro e principal motivo para eu ficar irritado com essa merdaiada de “natural”: Só porque uma coisa é “natural”, isso não quer dizer que ela é melhor.

Isso sequer quer dizer que ela é boa.

Sim, caí no básico argumento de que “veneno de cobra é natural”.

Mas é a realidade. Tudo na natureza quer te matar.

TUDO!

Ok, vamos começar de novo.

Só porque alguma coisa não passou por interferência humana não quer dizer que ela é boa. A quantidade de interferência humana não é, sob qualquer ponto de vista minimamente inteligente, um medidor de qualidade.

Uma maçã recém colhida do pé é tão gostosa e (dependendo do tipo e da presença ou não de vermes) tão saudável quanto uma barrinha de ceral sabor maçã. O que pode variar é o gosto de cada um. O fato de ser natural não influencia mais que “efeito placebo”.

Assim como uma bomba atômica pode matar tanto quanto um terremoto (como sou descendente de japonês, posso fazer essa comparação).

Acho que deu pra entender que a natureza pode ser tão mortal quanto o ser humano (descartando, novamente, o ponto de vista evolutivo previamente discutido).

Mas as pessoas ainda assim acreditam que uma coisa natural é melhor. Que a interferência humana piora a qualidade das coisas, não importa quanto mostremos que a expectativa de vida melhorou desde que descemos do galho.

E isso tudo é culpa de uma pessoa.

Desse grandessíssimo filho da puta do “Bom Selvagem”.

Puta que pariu.

Que ódio.

E todos vocês são filhos do Mitsumasa Kido! Porque isso faz sentido!

Antes de continuar, aviso vocês que nunca li Rousseau. Estudei um pouco na faculdade e no colegial, mas nunca me aprofundei. Resolvi pesquisar um pouco mais para escrever com propriedade, e descobri que o conceito de “Bom Selvagem” que me foi ensinado como a base da filosofia Rousseana é errado.


Me ensinaram que o “Bom Selvagem” é o Homem puro, que existiu sem ser corrompido pela sociedade. Algo como “o Homem é inatamente bom, a sociedade/a civilização o corrompe”.

Rousseau realmente acreditava que o Homem era bom por natureza, mas que o que o corrompia não era simplesmente “a sociedade” ou “a civilização”, mas “o orgulho”. Só com isso dá pra sacar que alguém não prestou atenção no livro do cara e saiu falando merda. E devo acrescentar que estou resumindo com minhas próprias palavras. Talvez, algum dia, leia Rousseau com mais calma e dedicação.

O problema é que o conceito errado do “Bom Selvagem” continuou no nosso subconsciente, um tipo de “culpa branca” por ter colonizado a terra desses índios inocentes e peladinhos. E esse "Bom Selvagem", do conceito errado, merece umas palmadas. Com uma daquelas raquetinhas de torrar mosquitos. Nas bolas.

Isso também tem uma forte influência da Bíblia, o Éden mágico e florido com seus animais falantes e folhas de parreira estrategicamente localizadas. Ainda vivemos numa sociedade judaico-cristã, então essa imagem de paraíso ainda é muito forte no nosso inconsciente.

Agora vem a mensagem do blog sobre esse conceito:


Até que demorou pra ter uma imagem com marca d'água neste blog...

Pessoas. Sério. O que vocês acham que criou a sociedade/a civilização? Satanás? Loki? Jesus? Papai Noel? Alguma outra entidade mágica genérica não-existente ligada a algum culto religioso?

NÃO, CARALHO.

Foram os próprios humanos. Foram os índios peladinhos. Há muito tempo atrás, é verdade, mas fomos nós.

E não criamos isso por esporte, ou só pra termos o que fazer entre a caçada da manhã e a bimbada do pôr-do-sol.

A civilização foi criada através de um processo longo e árduo para que nossa espécie sobrevivesse.

E ISSO É IMPORTANTE, PORRA.

Por mais que eu classifique 99% da raça humana como crônicamente estúpida (estou incluso nessa porcentagem), estou muito grato que estejamos vivos hoje. Porque é a minha espécie. Porque é o que eu sou. Um humano. Tonto.

E é por isso que eu fico estarrecido e emputecido com essa coisa de “natural é melhor”, porque para mim soa como “tudo o que permitiu a sobrevivência da nossa espécie é ruim, o que tenta nos matar é bom”. Isso é muito estúpido. Imensuravelmente burro. Georgelucasianamente retardado.

Me dá vontade de pisotear a cabeça de pessoas assim (atenção: spoilers no link).

Mas ainda assim isso perdura. Coisas como o movimento anti-vacina ou pessoas que destroem plantações de transgênicos. É revoltante.

Portanto, se depois de tudo o que eu falei, você ainda acredita piamente que o que é “natural” é melhor, me faça um favor: pare de ler este blog, desligue o computador e vá morrer no meio de uma floresta. Vai lá ver como nós só somos o topo da cadeia alimentar quando usamos o que criamos.

Agora, se este post te fez repensar seus conceitos de “natural”, mas ainda não sabe o que concluir disso tudo, aqui está alguém mais inteligente e influente que eu comentando sobre o “natural”. Ou melhor, vá pensar por si só, vá estudar, ler Rosseau, sei lá.

Só não me negue o que nos permitiu sobreviver.