terça-feira, 21 de maio de 2013

Memórias póstumas de uma piada mal compreendida

Olá.

Não sei se dá pra perceber pelo título, mas este post é uma expansão do meu post “O desinteressante fim de uma piada mal contada”. Lá eu falei sobre uma piada minha que deu errado porque eu caguei tudo. Quer saber mais, vai ler lá.

Desta vez, vou falar sobre uma piada minha que, acidentalmente, se tornou um sucesso, e pelos motivos errados.

Tudo começou com o orkut.

Foto da última vez que usei o orkut.

Alguém lembra do orkut?

Então, o orkut era esse site que nem o Facebook, mas diferente de maneiras que não entendo porque não uso nem um nem o outro direito, e que fez sucesso uns dez anos atrás aqui no Brasil.

Ele tinha esse conceito de comunidades, que eram um tipo de mini-forum que girava em torno de um tema determinado pelo criador dela.

Acontece que existiam muitas, mas muitas comunidades muito tontas.

Coisas óbvias, que 90% da raça humana se encaixa, como “Odeio acordar cedo” ou “Odeio o Caetano Veloso”, ou coisas egocêntricas estúpidas, tipo “Conheço a Shirslayne” ou “Sou foda” e similares.

Enfim, nenhum link no parágrafo anterior que eu não tô a fim de me recadastrar naquela merda só pra procurar comunidade tonta.

Vamos ao que interessa: a comunidade que eu criei que fez um sucesso filha da puta.

“Tenho dez dedos nas mãos”.

A original. Eu que fiz. Não existe mais, caso queiram saber.

A idéia era ser uma sátira das demais comunidades e de uma corrida tonta que existia na época de tentar fazer a comunidade mais popular do orkut.

Ou seja, queria fazer uma comunidade que englobasse a maior quantidade de pessoas e que fosse realmente tonta e sem propósito.

Acredito que consegui, apesar de já existir, na época, coisas como “Moro no planeta Terra” ou “Respiro ar”.

Mas eu não me agüentei e acrescentei uma piadinha na descrição.

Basicamente, eu coloquei que existiam dois motivos para fazer aquela comunidade:

1 - Fazer a comunidade mais estúpida do orkut e

2 - Fazer uma comunidade que o Lula não pudesse entrar.

Pois é.

Era 2002. Ano de eleições. A que o Lula ganhou do Serra.

Ou seja, as pessoas encararam a comunidade como se fosse um tipo de plataforma anti-Lula, ou anti-PT.

NÃO ERA.

ERA UMA PIADA.

TONTA.

Eu só quis dar um toquezinho a mais, uma cerejinha no topo.

Mas as pessoas encararam como o foco principal da comunidade.

Nossa, como eu fiquei irritado.

As discussões do começo, que eram coisas como “Qual seu dedo favorito?” se tornaram “Força Serra!” e similares.

Enfim, eu já não cuidava muito da comunidade, e devo dizer que até fiquei feliz por alguma coisa que eu fiz ter ficado popular, mas ficava aquele gosto amargo na boca de “sucesso acidental”.

E eu não sei explicar isso direito. Dava vontade de gritar algo como “Seus burros, essa comunidade não é sobre política, é sobre a futilidade das comunidades do orkut, o vazio da conquista da fama e a efemeridade da vida humana! Gostem dela pelo motivo certo! Porra!”

Ou seja, eu queria que as pessoas gostassem da minha comunidade (entendam: de mim) do jeito certo.

É que nem a história do cara mais bonito do mundo que gostava de fazer pentes. Ele queria ser reconhecido pela qualidade dos pentes, não por ser o cara mais bonito do mundo.

O tempo passou e eu desencanei do orkut, passei a comunidade para o Koizumi, um amigo meu (atenção, amigo, se quiser que eu ponha seu nome aqui, eu ponho, só queria proteger sua privacidade) [Editado: ele deixou pôr o nome dele] e parei de me estressar.

Algum tempo depois, a comunidade foi roubada (as pessoas faziam isso, dá pra acreditar?) dele, e mudaram ela de nome e sei lá o que mais.

Talvez eu não devesse me irritar mais, mas essa história me irrita até hoje. E me irrita quando vejo acontecer com outras pessoas.

Estou falando de quando o “público em geral” não entende uma piada ou uma sátira ou uma crítica, mas você entende.

Sim, eu sei que não dá pra saber com certeza qual a intenção do autor da obra que você acredita ter entendido, mas tem vezes que é bem óbvio o contexto da coisa toda, só que ninguém entende.

É, tô parecendo adolescentezinho que fala que aquela música daquela banda foi feita pra ele, que o vocalista entende ele e o resto do mundo está errado.

Só que no meu caso, não foi um músico, mas o Tolkien quem me entendeu... He's so dreamy...

Só que, neste blog, eu estou certo, então foda-se.

E, aparentemente, eu não sou o único a perceber essas coisas - tem esse cara no Cracked, o Gladstone, que fala bastante sobre comédia, já escreveu algumas vezes sobre piadas e sátiras mal-compreendidas pelo povo.

Normalmente, essa falta de compreensão do contexto da coisa toda leva as pessoas a se revoltarem, ficarem chocadas ou se sentirem ofendidas. Só que, às vezes, como no caso da minha comunidade do orkut, as pessoas simpatizam com a coisa toda e, ao invés de ódio tonto, trazem um tipo esquisito de reconhecimento tonto.

Sinceramente, acho que é mais fácil lidar com o ódio tonto que com o reconhecimento tonto. Acho até que me irrito mais com o segundo, pois o primeiro não traz nada de bom e é mais fácil de descartar como “pessoas burras”. O segundo gera um tipo de contradição, onde as pessoas gostam do que você fez, mas não entenderam nada. Sei lá, isso irrita.

O que me leva, finalmente, à uma piada de uma certa obra que poucos entenderam direito, mas que virou um tipo de ícone dos fãs dessa obra pelo motivo errado. E essa história toda me enche de raiva.

E esta obra se chama My Little Pony: Friendship is Magic.

E estou falando da piada do “20% mais legal”.

E já estou ficando com o sangue fervendo de raiva.

Enfim, “20% mais legal”. Vamos começar explicando o que é isso para quem não assiste MLP: FiM, essas pobres almas sem cor na vida.

No décimo quarto e melhor episódio da primeira temporada (o melhor da temporada, tem outro que acho mais mágico na temporada seguinte), somos apresentados ao seguinte plot: Rarity, após ver o vestido que Twilight Sparkle pretendia usar no Grand Galloping Gala, em Canterlot, decide fazer novos vestidos para todas as amigas, para que elas usem roupas minimamente decentes em um evento tão “high society” quanto o Grand Galloping Gala.

Rarity então faz os cinco vestidos, todos muito fofoluchos e devertedos, combinando com a personalidade de cada uma.

Mas, como qualquer pessoa que já trabalhou com algo artístico para um cliente sabe que sempre acontece, as cinco não gostaram. Acharam que não ficou como elas esperavam. Sendo que é um presente. E elas não falaram nada no começo da coisa toda. Só aceitaram. E agora estão reclamando.

Vadias.

Enfim, para não deixar as amigas decepcionadas, Rarity decide refazer os vestidos seguindo o que elas pedem.

Já estou sentindo aquele frio na espinha seguido de aperto no estômago de ódio pulsante que sinto quando ouço as palavras “o cliente pediu alterações”.

Resumindo, para eu não ficar descrevendo o episódio inteiro, até porque é mais fácil ir lá assistir: os vestidos ficam do jeito que as amigas gostam, uma coisa horrorenda e ridícula, e elas fazem um desfile e a Rarity vira a grande piada de Ponyville, com a carreira e o amor pela arte destruídos. Mas depois dá tudo certo.

Devo dizer que este que foi o episódio que me tornou fã de MLP: FiM, pois me identifiquei com a situação toda que a Rarity (minha pônei favorita, principalmente por causa deste episódio) passou e percebi que o show tem uns roteiristas muito bons, que não tem medo de fazer uma piada para um público adulto sem ser uma referência velada tonta a sexo ou drogas.

Mas enfim, ainda não expliquei o que é a coisa do “20% mais legal”.

Na parte em que Rarity está refazendo os vestidos das amigas, tem toda uma seqüência cantada com as bobagens que elas pedem para fazer nos vestidos. Aí tem a parte da Rainbow Dash.

Ah, a parte da Rainbow Dash.

RAINBOW DAAAAAAAAASH!

A Rarity tenta extrair dela o que ela quer no vestido e tudo o que ela consegue é a frase “tem que ficar 20% mais legal”.

Ai, caralho.

Sério, eu gosto da Rainbow Dash, mas que eu fiquei com uma raiva incandescente dela nessa hora, eu fiquei.

Mas dei risada também, pois foi muito boa a relação com o que acontece no mundo real, e provavelmente está acontecendo em uma agência de propaganda/design/webdesign neste exato instante, com alguém fazendo exatamente a mesma cara que a Rarity.

Esta cara. É desta cara que eu estou falando.

Só que aí entrou em cena o fandom retardado.

Que, de algum modo inexplicável, achou essa coisa do “20% mais legal” uma “sacadinha”, porque esse é “o estilo Rainbow Dash” e sei lá o que mais. E, em seguida, virou um tipo de frase de efeito dos fãs, onde “a vida é 20% mais legal” e outras merdas também podem ser “20% mais legal”.

 Então. NÃO. ERRADO. Porra. Merda. Cu. Caralho.

Não é uma sacadinha divertidinha de como a Rainbow Dash é serelepe e sempre surpreende de maneira supimpa.

É um paralelo com cliente merda.

Todas elas fazem um paralelo com clientes merda.

A Twilight Sparkle é o cliente pedante que quer tudo politicamente correto demais, o que deixa o produto tonto e efadonho.

A Applejack e a Pinkie Pie são os clientes que não entendem que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, então tentam colocar elementos de coisas que elas entendem (no caso, fazenda e festas) em algo que não tem nada a ver (vestidos de gala). É tipo o cara que quer uma foto do cachorrinho no site da empresa.

A Fluttershy é o cliente que quer uma coisa altamente complexa e difícil e demorada e desnecessária e não entende como a coisa que quer é altamente complexa e difícil e demorada e desnecessária (e, normalmente, não quer pagar o extra que essa coisa custaria, além de reclamar da demora).

E, por último, a Rainbow Dash é o cliente que realmente não sabe o que quer e espera que você mostre pra ele o que ele quer. O que é uma missão impossível. O que leva ele a ficar irritado com você, e a soltar comentários vagos e sem propósito, como “não está alegre o bastante” ou “podia ser mais real” ou “tem que ficar 20% mais legal”.

Ou seja, se você acha isso uma “sacadinha rainbow-dashiana”, você provavelmente nunca teve que lidar com esse tipo de cliente merda ou você É esse tipo de cliente merda. Seu merda.

Mas enfim, esse foi outro exemplo de “piada que saiu pela culatra”, e a Hasbro (entre outras empresas), obviamente, não perdeu tempo em aproveitar o sucesso dela. E ela não está errada em fazer isso.

Eu só gosto de pensar que a roteirista do episódio, toda vez que vê alguma coisa do fandom envolvendo a frase “20% mais legal”, sente uma mistura de ira flamejante com orgulho envegonhado, querendo estrangular todos os fãs e forçá-los a entender a piada do jeito certo. Que nem eu ficava quando olhava o sucesso da minha comunidade do orkut.

Só que as pessoas são tontas.