quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A história também é dos fãs

Recentemente revi uma coisa fantástica, que é a famosa crítica do Mr. Plinkett do Episódio I de Star Wars. Ele fez uma versão especial para o lançamento da versão 3D do filme, e resolvi assistir de novo. Uma hora e dez minutos de desconstrução total e absoluta dessa merda de filme, o filme que estragou Star Wars e o Darth Vader para sempre. É lindo. Poético. Mágico. Se você estiver no trabalho, recomendo.

E ontem mesmo trombei com uma análise fantástica de Metroid: Other M. Eu gostei do jogo (considerando apenas a jogabilidade), mas concordo com o consenso geral de que a história dele estragou a Samus para sempre. E essa análise disseca ainda mais como a Samus deixou de ser uma das melhores e mais fortes personagens femininas da história dos games para virar mais uma “dona de casa submissa que gosta de apanhar”. De certo modo, esse jogo podia se chamar Metroid: The Phantom Menace.

Comecei a traçar um paralelo entre os dois. E percebi duas coisas em comum. Primeiro: em ambos, o criador original da série resolveu “mostrar o verdadeiro personagem”, com o George Lucas contando a origem do Darth Vader, mostrando como ele se tornou, bem, o Darth Vader, e o Yoshio Sakamoto mostrando a verdadeira Samus por trás da máscara, fazendo ela falar, pensar e interagir com outros personagens (Metroid sempre foi uma experiência isolada, de exploração solitária, para quem nunca jogou). Segundo: o criador teve (aparentemente) liberdade total e irrestrita, sem ninguém chegando nele e falando “Não, isto tá uma merda”.

E isso rebosteou tudo.

Eles demonstraram como eles são péssimos escritores, e que as duas séries só se tornaram o que se tornaram graças à colaboração de pessoas mais competentes que eles.

“Mas a história é deles, eles podem fazer o que quiserem.”

Esse é um argumento que ouço muito, principalmente em relação à trilogia bosta de Star Wars. Perdoem-me o inglês, mas acho que consigo expressar o que sinto em relação a este argumento desse modo:

Eu me acho muito meme.

Isso é bobagem. A história nunca é só do autor, ainda mais no caso de “artes em grupo”, como cinema e games (games são arte, não vou discutir isso), onde trocentas pessoas colaboram na produção da obra. Principalmente aquelas que melhoram ela. Mas ela também pertence a outra pessoa: o fã.

Sim, eu considero toda santa filha da puta de história que existe como algo pertencente ao fã também. Ou melhor, pertence ao consumidor da história, seja o espectador, o leitor ou o gamer, mesmo aqueles que não gostaram tanto assim.

Quando consumimos uma história boa, nós nos conectamos com os personagens. Gostamos deles. Nos identificamos com alguns deles, vemos pessoas que conhecemos em outros e fazemos paralelos com nossa vida, mesmo que num nível subconsciente.

Isso fica ainda mais forte quando é uma história que nos marca em certo momento da nossa vida, normalmente na infância. Mas também acontece de certas histórias serem marcantes em outros momentos, pelos mais diversos motivos. Eu, por exemplo, considero Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, um dos livros mais importantes que já li, pois li ele quando tinha acabado de começar a tomar anti-depressivos, e fiquei numa viagem de “estou me alienando, tomando soma” (soma é a droga perfeita, que os personagens do livro tomam quando têm algum problema emocional). Assim como considero Quanto Mais Idiota Melhor (Wayne’s World) um dos filmes mais importantes para a minha formação enquanto ser humano (SÉRIO), pois foi o filme que me apresentou ao Queen e ao rock.

Excellent!

Voltando a Star Wars e Metroid: elas são histórias que não apenas marcaram gerações, mas também criaram um legado, um tipo de aura em torno delas. Os fãs, das mais diversas idades e origens, criaram um tipo de idealização na cabeça deles, cada um com sua visão dos personagens e da história. Cada um com a sua própria versão da história.

Se bem que isso ainda não justifica “proibir” o autor de mexer na história como ele quiser, certo?

Eu sei que o argumento que vou fazer é meio fraco, mas é o que considero a mais pura verdade: justifica, pois sem esses tontos dos fãs, sua história não ia ser NADA.

Eles que tornaram sua história o que ela é. Seus personagens podiam ter caído no esquecimento eterno, mas eles mantiveram eles vivos e queridos. ISSO É IMPORTANTE, PORRA. Quando sua obra vai para o mundo, ela não é mais sua, é do mundo.

Por isso que acho que autores deviam ser proibidos, com pena de quinhentas chibatadas, de mexer numa história depois que ela foi parida. A tendência é que façam merda.

Tendo dito isto, agora entra uma observação MUITO IMPORTANTE: o autor não deve prestar tanta atenção no que o fã acha que devia acontecer na história, pois a grande maioria dos fãs consegue pensar em merdas maiores que o ânus do autor conseguiria.

Aqui é a parte que eu começo a ficar confuso, um tipo de tradição dos meus posts.

Sim, basicamente estou dizendo que é importante considerar os fãs na criação e no encaminhamento da história, mas não ouvir ele de verdade, pois senão a história vira uma merda.

O que eu quero dizer é que é preciso tomar cuidado.

Vamos fazer um exemplo extremo: Harry Potter. E se, no final do sétimo livro, do nada, o Ron se revelasse um agente do mal, matasse o Harry com um tiro, estuprasse a Hermione e o Dobby, tudo no primeiro capítulo, e o resto do livro fosse ele chupando a rola do Voldemort, porque nada é mais importante pra ele que o prazer do seu mestre? Ia ser uma merda. Meio hilário, mas uma merda. Acredito que todos os fãs iam ficar muito putos. Eu ia.

Mas, e se a intenção da Rowling fosse desde o começo mostrar que você nunca deve confiar em ninguém, que seu melhor amigo pode ser um boqueteiro maligno? Que Harry Potter sempre foi, na verdade, uma história sobre traição, estupro de elfos e sexo oral? Que ela só queria um meio de passar para próximas gerações tudo o que ela aprendeu a fazer com a boca em um pênis, e escolheu o Ron como mensageiro?

Bem, aí ninguém mais ia ser fã de Harry Potter. Ou só iam considerar os “seis livros bons”, com pessoas criando finais alternativos, e a Rowling ia ser odiada para todo o sempre.

Por isso que é bom ter alguém pra chegar no autor e falar “Não, isto é uma merda”. Alguém pé no chão e inteligente, que leva em consideração a história como um todo e o que é esperado pelos consumidores.

Em compensação, se ela levasse em conta os fãs, o sétimo livro provavelmente ia ser o Harry descobrindo que ele está apaixonado pela Hermione, a Gina, o Draco, o Ron, o Fred, o Jorge, a Belatrix e o Hagrid, e ele ia ter um duelo de katanas mágicas com o Voldemort na Torre de Londres, com a capital inglesa em chamas. Meio hilário, mas uma merda.

Acho que o ponto que estou querendo chegar é que é preciso ter algum cérebro na hora de criar uma história, seja o do autor (algo que claramente faltou ao Lucas e ao Sakamoto), seja de alguém que entende de contar histórias e medir expectativas e tem autoridade de chegar no autor e falar “Não, isto tá uma merda”.

Para finalizar, mais três casos: um de um autor perdido com a própria história, um de um autor que chegaram e falaram “Não, isto tá uma merda” e pessoas melhores deixaram a história boa e um exemplo de autor que sabe contar histórias e soube trabalhar a expectativa dos fãs.

O primeiro é Hideaki Anno, criador de Evangelion. Ele fez o animê e contou a história dele. Só que muitos fãs não gostaram do final do animê. Então ele fez o filme “The End of Evangelion” para dar um final para os fãs que não gostaram do animê. E agora ele está recontando toda a história de novo, com os novos filmes.

Fazer isso é o que podemos chamar de “cagada homérica.”

Eu sou daqueles que gostou do final do animê. Focou nos personagens, no crescimento deles, na superação de obstáculos. Evangelion sempre foi uma história sobre isso, os robôs e os anjos eram acessórios. Isso que é o aprimoramento humano, não a Rei gigante sugando almas. Mas enfim, para algumas pessoas Evangelion era sobre robôs gigantes e conspirações religiosas. Então ele fez o final do filme, que eu acho uma merda. Mas deu aos fãs o que eles queriam. E irritou os fãs que gostaram do final do animê (como eu).

Isso gera um tipo de divisão, onde de um lado temos fãs que te acham um imbecil por ter contado a história do jeito que você queria, mas ficaram contentinhos com o remendo, e do outro temos os fãs que te acham um babaca por ter cedido à pressão e feito um final “mainstream”, mas que estão contentinhos por saber que o final verdadeiro é o que eles gostam.


E, pra piorar a merda toda, você vem e faz uma terceira versão. Para ou irritar um dos lados ou criar uma terceira facção, a do “final dos novos filmes”.

Sabe, tenha cojones de falar “Esta é a minha história, se você não gostou, faça sua versão, mas esta é o que eu tinha pra contar.” Não fique remendando por causa de fãs ou ameaças de morte. Porra.

Para quem acha que estou me contradizendo, a diferença entre Evangelion e Star Wars/Metroid é que, no primeiro caso, temos um tonto que mudou a história para agradar os fãs, cagando tudo, e do outro temos dois tontos que mudaram a história para fazer “do jeito deles”. É diferente.

Enfim, o segundo autor é o Matt Groening. Criador dos Simpsons. E apenas isso, o criador. Foi toda a equipe de roteiristas e um produtor muito bom que tornaram os Simpsons o marco cultural que eles são. Só pra constar, Groening queria que a Marge tivesse orelhas de coelho escondidas debaixo do cabelo. Ainda bem que alguém chegou e disse: “Não, isto é uma merda” e tirou ele da sala de criação.

O terceiro e último autor é aquele que chamo de Deus: Bill Waterson. Criador de Calvin e Haroldo. De acordo com ele mesmo, ele prestava atenção ao feedback dos fãs, e manejava a história de acordo com a necessidade, mas sem nunca ceder. Ele nunca cedeu àqueles que achavam os pais do Calvin muito pouco carinhosos, mantendo os personagens “true” para aquilo que funcionava na história: pais severos que davam broncas quando necessário, eram sarcásticos quando necessário e eram carinhosos quando funcionava, ao invés de encherem o Calvin de carinho a cada merda que o moleque fizesse (o padrão de criação de filhos hoje em dia).

E ele também nunca foi lá e cagou tudo com “a minha verdade enquanto autor”. Ele nunca explicou o incidente do macarrão, ou o Hamster Huey and the Gooey Kablooie. Ou o mais importante: ele nunca explicou a real natureza do Haroldo. É imaginação do Calvin ou um tigre de pelúcia mágico? Ele fala no especial de dez anos que isso não importa, o que importa é a idéia que o Haroldo passa, de que cada pessoa tem uma visão de mundo diferente.

Por isso que o chamo de Deus.

2 comentários:

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