terça-feira, 22 de maio de 2012

O problema da liberdade de expressão são as pessoas burras

Vamos ser elitezinha cultural paulistana e começar o post citando Evelyn Beatrice Hall, biografista de Voltaire, com a frase que ela usou para ilustrar as crenças dele, que é comumente e erroneamente atribuída ao próprio Voltaire, ou, se você ouvir de um americano, a Thomas Jefferson:

“Não concordo com uma palavra que dizeis, mas defenderei seu direito de dizê-las até o fim.”

Bonito, né?

Funciona bem para mostrar o princípio da liberdade de expressão: Todos têm o direito de falar o que acreditam.

Eu queria ser um ser humano superior e acreditar nisso.

Queria poder ser forte e tornar essa frase, ou melhor, as crenças de Voltaire e da liberdade de expressão, parte da minha filosofia pessoal.

Mas eu não consigo.

Eu simplesmente quero proibir uma série de pessoas de abrirem a boca.

Porque tem muita gente muito burra no mundo.

Não estou falando de pessoas que não tiveram acesso à escola porque tinham que ficar trabalhando numa plantação de iPhones ou numa fábrica de soja transgênica, então esfria as tetas um pouco, esquerdistinha-de-merda-que-estudou-ciências-sociais.

Estou falando de pessoas que se esforçam e se dedicam em serem ignorantes.

Caralho.

Muito ódio. Muito ódio mesmo.

Sério, eu virava chefe da Interpol, fazia o Google e o Facebook me darem as informações de todos que eu classificasse como “cronicamente burros” e ia na casa de cada um desses filhos da puta asfixiar eles com um saquinho plástico, levando-os para o avião-centro-cirúrgico da Interpol e, de algum modo, impossibilitava os imbecis de terem filhos. Vasectomia, ligação de trompas, sei lá. E em seguida largava o tonto no meio do deserto de Góbi ou o de Atacama, o que fosse mais longe da casa do infeliz. Basicamente, eu faria o que a Seleção Natural falhou. Iria chamar isso de “Seleção Vitoriana”, em homenagem à rainha Vitória.

Só que toda vez que me “baixa o Hitler”, eu tento ao máximo dar uma parada, tomar um café, respirar fundo e ver se não estou só sendo prepotente.

Prepotente, eu? Imagina! Gostou da decoração da minha sala?

E, depois de muito pensar e reescrever o início deste post, cheguei a algumas conclusões.

A primeira gira em torno da semântica da coisa toda. Vamos começar definindo três conceitos: inteligência, ignorância e burrice. E, como já é praxe neste blog, vamos ignorar um pouco o dicionário.

Primeiro, definir o que é um indivíduo inteligente. Vou continuar bancando o intelectualóide e usar conceitos de pessoas mais inteligentes que eu como se eu realmente entendesse eles, mais especificamente a filosofia de Sócrates com pitadas do método científico.

Ou seja, “Só sei que nada sei” como ponto de partida, que, para mim, pode ser explicado como “não sabemos de tudo, sempre podemos aprender mais, e o que sabemos pode não ser definitivo”. A isto eu acrescento o que eu entendo como espinha dorsal do método científico: uma hipótese só pode ser verdadeira se houver alguma evidência empírica para prová-la. Ao encontrar novas evidências ou na ausência de qualquer evidência, a hipótese deve ser descartada e uma nova deve ser elaborada.

Logo, para mim, um indivíduo realmente inteligente é aquele que conhece as próprias limitações do momento (fugindo do efeito Dunning-Kruger) e está sempre disposto a aprender algo novo e a rever seus próprios conceitos ao encontrar novas evidências empíricas.

Sim, estou sendo bem limitador nessa definição (eu não me encaixo nela, me tornando um não-realmente-inteligente), mas acho que é poética o bastante. Sem contar que posso usar a cartada “inteligência específica”, no sentido de que as pessoas podem ser inteligentes em certos aspectos e não-inteligentes em outros.

Segundo, esclarecer a diferença entre o indivíduo ignorante e o burro.

O ignorante, no dicionário deste blog, é aquele que não teve acesso a um determinado conhecimento. O burro, por sua vez, é aquele que, mesmo depois de ter acesso ao conhecimento, se recusa a mudar sua visão sobre determinado assunto.

Por exemplo, alguém que não sabe que a capital do Nepal é Kathmandu é simplesmente ignorante no assunto. E não tem nada de errado com isso, antes que algum de vocês, “sou-importante-demais-para-saber-a-capital-do-Nepal-logo-não-me-dou-ao-trabalho-de-aprender-isto”, se sinta ofendido. Vocês, agora, sabem a capital do Nepal é Kathmandu e deixaram de ser ignorantes no assunto. Pelo menos momentaneamente. Vou perguntar de novo semana que vem. Chamada oral. Valendo nota. E vai cair na prova também.

Seguindo essa minha lógica, todo mundo é um ignorante em algum assunto. Até o Stephen Hawking.

Agora, alguém que se recusa a entender que a capital do Nepal é Kathmandu, mesmo depois de apresentarmos todas as evidências, chegando ao ponto de levar o filho da puta até lá e fazer ele conversar com o presidente, esse sim é um burro.

Basicamente, o burro, para mim, é o infame “pior cego é aquele que não quer ver”.

O pior não é só a questão de não querer entender, é não querer fazer um mínimo de esforço pra entender. Algo como “se é complicado e não consigo entender, deve ser errado ou inútil”. Burro filho da puta.

Então.

Esses aí.

Esses que me irritam. Esses que me dão vontade de socar até dizer chega. Chutar até dar câimbra nas nádegas. Dar elbow drops até deslocar o úmero.

Eles que são o problema da liberdade de expressão.

Vejam bem, para a liberdade de expressão funcionar, ou melhor, para que possamos evoluir enquanto sociedade, nada mais importante que idéias entrando em conflito para assim desenvolvermos novos conceitos e etc.

Só que gente burra pura e simplesmente NÃO ESCUTA.

É um bando de escrotinhos de merda que falam o que bem entendem e depois tampam o ouvido falando lá-lá-lá-lá-lá.

De que tipo de gente será que eu estou falando?

Então, não importa o quanto tentemos trocar idéias, ou o quanto nos prestarmos a ouvir os argumentos dessa corja de estrume acéfalo, eles não vão ouvir o que não concorda com a opinião deles.

Eles que me fazem entender o fascismo e querer limitar a liberdade de expressão, fazendo com que esses burros parem de falar o que pensam. Principalmente porque gente burra tem a inacreditável tendência a acreditar em bobagem.

E existe muita bobajada no mundo.

MUITA.

Conceitos que já foram provados inválidos, histórias que já foram provadas falsas, religiões, etc.

Mas os burros insistem em acreditar. Em ignorar todos os fatos que provam o contrário, só pra se manter num estado de burrice confortável.

“Ah, então você quer fazer campos de concentração onde todos que você classificar como 'burros' deveriam ser eliminados da sociedade, é isso?”

Sim.

No fundo, sim.

Mas isso é inviável.

Até porque ia acontecer uma coisa “O Alienista” e eu ia ser obrigado a eliminar praticamente todos os seres humanos (incluindo eu) (provavelmente seria o segundo da fila, logo depois do Caetano Veloso). Talvez com algumas exceções, mas ia ser gente pra caralho.

E acho que é algo solucionável sem a minha já proposta “Seleção Vitoriana” e sem a imposição de um governo fascista/ditatorial com a minha liderança.

Quer dizer, acho que o governo ditatorial ia ajudar bastante, e a minha “Seleção Vitoriana” é logisticamente mais viável que a alternativa abaixo, mas vamos fingir que não, só pra parecer que eu me importo com os problemas éticos e morais dessas duas soluções.

Para sumir com as pessoas burras, basta ensiná-las a aprender.

Não sei como fazer isso. Mas essa é a idéia. Fazer com que as pessoas queiram saber e aprender mais, e tenham curiosidade de questionar e investigar o que não entendem.

Agora, como conseguir isso, eu não sei. Quer dizer, posso tentar fazer uma revolução e me tornar ditador, mudando completamente o sistema de ensino no mundo, mas já descartei essa opção.

Outra idéia seria vender isso como algo atraente. Usar a publicidade para uma coisa boa, pra variar. Fazer com que as pessoas (ou pelo menos as crianças) queiram ser inteligentes. Mostrar que isso vale a pena.

Sempre existe a opção “Ozymandias”, que é criar uma ameaça tão grande para a vida das pessoas que elas se vejam numa situação onde elas ou se tornam inteligentes ou correm o risco de morrer.

Também tenho a minha solução que envolve proibir certas opiniões, mas essa é mais complexa. Fica pra próxima, senão este post vai ficar excessivamente grande.

Quer saber, foda-se. Minha solução é: ensinar as pessoas a aprender. A trocar informações. A falar e ouvir. A pesquisar. Esse é o objetivo. Esse é o melhor jeito de sumir com os burros.

Os meios para alcançar isso são outros quinhentos.

Acho que vou começar um Kickstarter pra financiar minha revolução ditatorial. Talvez seja mesmo a única solução.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Do potencial do Hulk enquanto personagem


Para quem ainda não assistiu os Avengers, desculpa, mas aí vêm spoilers.

Se bem que, se você não viu ainda e queria evitar spoilers, se fudeu, esses filmes têm que ver na primeira semana, senão você leva spoilers mesmo.

Acho até que vou começar a colocar como toque de celular coisas como “O Agente Coulson morre” ou “o Hulk enche o Loki de porrada”. Seria eu falando, bem alto, spoilers de filmes. Só pra irritar quem não viu.

Enfim, saí numa tangente antes mesmo de entrar no assunto. Deve ser meu novo recorde.

Ou como era chamado na primeira versão do roteiro, "Iron Man and Pals" 

Voltando.

Depois de assistir os Avengers, resolvi rever os filmes-trailer dele, ou seja: Iron Man, Incredible Hulk, Iron Man 2, Thor e Captain America (só pra constar, estou usando os nomes em inglês para manter uma unidade com o fato que eu prefiro chamar de Iron Man que Homem de Ferro. E eu sou metido). Queria ver como que foi o planejamento geral da Marvel pra história dos Avengers.

Mas, principalmente, queria confirmar que o Ruffalo é mesmo o “the best fucking Hulk ever”, como todo mundo (incluindo eu e os monges tibetanos) está afirmando.

E, sim, o Ruffalo é mesmo o melhor Hulk/Banner de todos.

Mas o que mais me incomodou não foi a atuação do Edward Norton, mas o roteiro tonto do filme (já, já volto neste ponto).

O filme me fez ficar pensando sobre o personagem do Hulk/Banner, e, como uma pá de sites e podcasts tem falado sobre o filme, calhou de eu descobrir mais coisas sobre o personagem, além de uma pesquisa básica na Wiki.

E cheguei a uma conclusão muito simples: o Hulk é um incompreendido. Enquanto personagem.

Alguém vai e faz o Iron Man Trollface que eu tô com preguiça.

Vamos começar pelos filmes.

Ou melhor, vamos começar com o filme do Ang Lee.

E pelo fato que eu gosto do filme do Hulk do Ang Lee. Sério. Mesmo. Sem sarcasmo aqui. E não, não gosto dele “ironicamente”, que nem eu gosto dos filmes do Ghost Rider, que de tão ruins ficam bons.

É que eu não encaro ele como um filme do Hulk. Ele não é bem um filme do Hulk. É um filme do Ang Lee. E isso fez toda a diferença. Me fez apreciar o filme.

Mas quem procura um filme do Hulk lá não acha nada, e se frustra.

Dar a direção do filme do Hulk para o Ang Lee foi uma decisão equiparável a dar a direção dum filme do Batman para o Woody Allen, dum filme do Wolverine para o Almodóvar ou dum filme de Star Wars para o George Lucas. Ou seja, uma péssima idéia. São coisas incompatíveis. É fácil falar isso agora, anos depois, mas, em retrospecto, alguém devia ter tido a visão de falar “esse cara não é o tipo de diretor que vai fazer o blockbuster pipoca que o público espera”.

E foi o que aconteceu. Não "recoisei" (muito orgulho dessa referência a outro post meu, vou te contar) o filme (ainda), mas me lembro dele tentar ser um tipo de “Hulk, o sensível”. Que é um assunto interessante, podendo ser trabalhado direito, quando você tira do contexto de super-herói e torna uma história sobre um cara angustiado com o que a vida transformou ele.

Mas não funciona com o Hulk.

A frase é “Hulk esmaga”, e não “Hulk reflete e sofre em angústia”.

Por isso que ninguém gostou. Foi uma confusão de objetivos e expectativas, mais ou menos que nem fazer trabalhos para [insira nome de cliente aqui].

Os roteiristas queriam um filme de ação tonto, o Ang Lee queria uma pegada sensível de um personagem atormentado e o estúdio queria dinheiro. No fim, deu no que deu.

Enfim, concluindo sobre o primeiro filme do Hulk: é um filme (fraco, mas ainda assim bonzinho) do Ang Lee. Assistam O Tigre e o Dragão, Brokeback Mountain e em seguida assistam ao Hulk, vai fazer mais sentido.

Menos o Poodle-Hulk. Aquilo, ninguém explica.

Agora vamos ao segundo filme, The Incredible Hulk. O do Edward Norton.

Esse sim é blockbuster pipoca. Porrada, porrada, porrada.

Quando eu assisti no cinema, achei divertido. Legal. Aquele tipo de filme que você não precisa pensar. E ele fala “Hulk smashes” no final. Valeu o ingresso.

Sem contar que eu fui ver o filme com um espírito de “quero gostar do filme do Hulk, o do Iron Man foi legal pra caralho”.

Mas, nesta segunda vez que assisti, achei uma bosta. Muito ruim. MUITO RUIM PRA CARALHO MESMO ALPHA PLUS.

Sim, tem uma certa influência do Hulk bom do Ruffalo, mas mesmo assim, esse filme é muito tosco.

E na minha opinião, o problema não é, como já disse, o Norton, que tem mais cara de contador fazendo hora extra que de cientista. Nem a Liv Tyler, nem o Abomination castrado, nem o fato que o Banner não fica nervoso em nenhum momento e nem todos os problemas de lógica e coerência da história.

Nem é o Brasil, que tem a tendência de estragar tudo.

O problema é que o filme tenta ser King Kong (com umas pitadas de A Bela e a Fera), quando o Hulk é, na verdade, O Médico e o Monstro.

Esse romancezinho mela-cueca do Hulk com a Betty Ross é de querer morrer afogado no próprio vômito. Nossa, como esse nhénhénhé cansa. Aquela cena do Hulk na caverna com ela é nível Julia Roberts. Puta merda.

Sim, eu sei que o amor é lindo.

Mas a história ficar minhocando em cima desse romancezinho, e o “lado humano” do Hulk ser a paixão pela Betty Ross é uma bosta. Ponto.

Não quero continuar falando disso.

Vamos para a questão O Médico e o Monstro. Obra que eu li, ao contrário de qualquer HQ do Hulk.

O Médico e o Monstro, num resumo beeeem simplificado, é sobre um senhor respeitável (o médico, Dr. Jekyll) que cria uma poção que permite ele liberar o lado “não-civilizado” dele (o monstro, Mr. Hyde), que sempre esteve lá, nas entranhas dele. Até o ponto que o monstro toma conta da consciência do médico.

Ou seja, é uma história sobre o conflito do lado ético e civilizado da consciência de um homem (vamos dar o nome aleatório de “Superego”) contra o seu lado primitivo, animal e egoísta (vamos dar o nome aleatório de “Blanka”). Nesse conflito do Superego com o Blanka, o pobre Jekyll acaba cedendo cada vez mais para seu “lado negro”, até o ponto que ele se mata.

Um exemplo do que acontece na cabeça do Dr. Jekyll. O Superego dele é daltônico, diga-se de passagem.
Transferindo agora isso tudo para o Hulk, podemos ter uma história muito melhor.

Não, não estou falando que o Banner tem que se matar para a história funcionar. Até porque, como ele mesmo disse, o Hulk cuspiu a bala.

O que faria essa merda toda funcionar e criaria um personagem muito mais interessante é o Banner ter esse “lado negro” dentro dele o tempo inteiro, mas que ele só consegue liberar ao sofrer o acidente com raios gama e virar o Hulk.

Seria como se o Hulk fosse lá e fizesse tudo o que o Banner tem vontade de fazer, mas reprime.

O Banner tá de saco cheio de militares pentelhos? Hulk vai lá e enche de porrada. Banner quer romance com Betty Ross? Hulk vai lá e copula com ela. Cortam o Banner no trânsito? Hulk vai e corta o carro do filho da puta no meio. E assim por diante.

“Então seria, basicamente, Um Dia de Fúria, mas com um cara verde?”

Sim. Exato. Perfeito. Melhor filme de origem do Hulk possível. Com uma cena extendida e bem explícita do Hulk fornicando com a Betty Ross, fica melhor ainda.

E é por isso que o Hulk dos Avengers funciona.

Não, esse Hulk não acasala com ninguém no filme, e, até onde eu saiba, não vai ter nenhuma cena de relações carnais na meia hora de cenas cortadas que vão ser adicionadas no DVD.

Mas o Hulk do Rufallo seria o “estágio seguinte” da relação Superego vs. Blanka, onde eles se entendem e encontram um meio termo para conviver. Basicamente, o Banner aceitou e aprendeu a conviver com a própria raiva e, quando quer/precisa, libera o Hulk pra descarregar o stress.

E, para melhorar a coisa toda, o Hulk ainda tem um papel de “último mecanismo de sobrevivência” do Banner, onde ele brota do nada caso ele sinta que a vida do Banner corre risco.

Com esse detalhe a mais para diferenciar ele do Dr. Jekyll, a relação Banner/Hulk ganha uma camada de complexidade a mais. Ele não é o King Kong, não é a Fera, não é o Mr. Hyde nem é um jovem atormentado e sensível dum filme do Ang Lee. Ele é o Hulk. Porra.

Novamente, nunca li uma HQ do Hulk. E, me baseando no que eu pesquisei nas internets, tenho certeza que vou me decepcionar. Prefiro esse personagem que eu acabei de criar na minha cabeça. Ele é mais profundo que o pires do Hulk do filme do Edward Norton e mais “Blankesco” que o Hulk mimimi do Ang Lee.

Só espero que não rebosteiem tudo no próximo filme, tentando fazer algum romancezinho e transformando o Hulk num Crepúsculo Esverdeado. Se bem que criar esse tipo de expectativa em relação a Hollywood é que nem esperar que Hollywood não cague tudo ao fazer uma adaptação ou uma continuação.

Por isso que eu tenho sonhos e pesadelos com o filme do Freakazoid. Espero que façam algum dia, mas com certeza vão cagar tudo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A arte de "recoisar"

Sumi. De novo. Estava terminando Tales of the Abyss. De novo.

Eu avisei, não avisei? Que eu ia acabar Tales of the Abyss de novo? Pra ver o dungeon secreto (que, inclusive, é a porra do Abyss do título)? Era isso que eu tava fazendo, ao invés de atualizar o blog.

Gastei mais cem horas no mesmo jogo. Jogando ele de novo.

Acho que vocês já perceberam, mas sim, eu tenho um problema.

Eu basicamente tenho o QI de um Teletubbie.

Até poderia argumentar que a série Tales é pensada de modo a terminarmos os jogos várias vezes, com seus dungeons secretos e side quests que não dão pra completar na primeira vez que você joga. Existe, inclusive, um sistema de gastar sua “Grade” acumulada (após cada batalha, em Tales, você recebe uma “nota” baseada no seu desempenho na luta, medindo coisas como a quantidade de dano que você levou, o maior combo que você fez, etc) ao iniciar um jogo novo pra modificar algumas coisas no jogo novo (como ganhar o dobro de experiência, por exemplo).

Mas a real é que eu realmente gosto de “rejogar” (essa palavra sequer existe, pra se ter uma noção do probleminha da criança aqui) games, rever filmes e reler livros.

Tinha um colega meu da faculdade que falava que isso é perda de tempo, pois mal temos tempo em uma vida pra ver todos os filmes bons e ler todos os livros bons que existem, quanto mais perder tempo revendo eles.

Pode até ser, mas eu não consigo deixar de “recoisar” as coisas (cansei de ficar especificando as atividades por verbo).

Eu acabei Tales of the Abyss duas vezes. Ocarina of Time umas oito, em três plataformas diferentes. Li Senhor dos Anéis umas oito (sete antes de lançarem os filmes, depois deles, só uma) (sim, sou hipster de Tolkien). Vi a trilogia boa de Star Wars pelo menos seis vezes (se você não sabe qual é a trilogia boa, se mata). Já assisti cada episódio da primeira temporada de My Little Pony: Friendship is Magic umas três vezes (estou preparando umas maratonas solitárias da segunda, agora que ela acabou). Enfim, antes que isso vire uma competição (afinal, conheço alguém que viu o primeiro Harry Potter umas oito vezes no cinema - e não estou julgando, acho isso muito legal), melhor eu parar de me orgulhar da minha nerdice.

Ok, muito da minha “recoisagem” das coisas (eu sou MUITO culto) tinha a ver com falta de grana/acesso a coisas novas quando eu era moleque. Eu não conseguia comprar todos os jogos que queria, nem todos os livros, nem alugar todos os filmes, por isso ficava  “recoisando” (bacharelado em comunicação, a gente vê por aqui) o que eu tinha.

Mas não existe essa desculpa hoje em dia, ainda mais com a internet. Aliás, eu até tenho outro jogo de 3DS na fila, o Resident Evil: “Revelaitons” (se você entendeu esta piada, você é BEM nerd, ou sabe usar o Google), mas eu preferi postergar ele em favor de terminar de novo Tales of the Abyss.

Enfim, tudo isso pra chegar no ponto que eu queria: é muito satisfatório reviver experiências culturais.

Acho que todo mundo tem um filme/livro/game favorito que gosta de ficar voltando e “recoisando” (gostaria de agradecer a Academia Brasileira de Letras por todo o apoio). Nem que seja o famoso “se filme [insira nome de filme aqui] está passando na TV, páro tudo pra assistir ele”.

E não acho que essa atitude deva ser condenada, como meu colega de faculdade fazia. Sempre fico fascinado com a nerdice alheia, e “recoisar” (sobre a questão da ABL, “coisar” já é uma palavra que faz parte do vocábulário oficial dela - mais conhecido como a norma culta - mas “recoisar” não) obras culturais é algo admirável, do meu ponto de vista.

Acho muito legal que algumas pessoas consigam gostar de algo a ponto de querer reviver a experiência proporcionada pela obra em questão. Claro que é bom não exagerar, mas é divertido encontrar pessoas cujo escopo de conhecimento aprofundado vai além de tetas, futebol e Big Brother.

E existe uma vantagem em quem “recoisa” (ainda no assunto ABL, “estrupo” virou norma culta em 2011, busquem no vocabulário do site) as coisas, que elas acabam memorizando/percebendo melhor certos detalhes ou ainda enxergando certas entrelinhas que a pessoa que vive tudo só uma vez não percebe ou lembra errado. Aliás, uma coisa que me irrita profundamente é quem só coisou determinada obra uma única vez e fica afirmando como verdade algo que NÃO ACONTECE, ou esquece de passagens cruciais da história. Sim, estou falando de vocês, toscos, que esquecem a importância do Tom Bombadil na nomeação dos pôneis do Meriadoc. Bastardos.

Enfim, acho que estou me perdendo do ponto. De novo.

Queria poder dizer que esta também é uma crítica aos roteiristas de Lost, mas nunca assisti.

E eu realmente estou querendo evitar o final “auto-ajuda vazia” clássico, onde eu basicamente falo que é legal “recoisar” (sim, eu sei que eu estou escrevendo muito mais com estes parênteses do que se eu simplesmente especificasse os verbos, mas agora me empolguei com a piada) obras culturais, mas com a devida moderação.

Então vamos tentar isto:

Acho que “recoisar” (devo admitir que no meio do caminho me ocorreu a palavra “consumir”, mas achei mais divertido continuar coisando) coisas como filmes, livros games e outras “obras com histórias” nada mais é que nos dar um spoiler. E spoilers nos deixam felizes - com um ódio infinito do filha da puta que nos spoileou, mas felizes com o nosso futuro na Terra, afinal ele se tornou uma incógnita menor. Então, ao consumirmos a obra em primeiro lugar, nosso “eu do passado” dá um spoiler para o “eu do futuro” e assim nosso “eu do futuro” evita a raiva e toda a dúvida e a insegurança decorrentes de não saber se os Avengers ganham ou não no final.

Afinal de contas, o que levaria alguém a reler O Assassinato no Expresso Oriente senão pra conferir se a solução, onde o assassino estava escondido na despensa do vagão restaurante o tempo inteiro, realmente foi pensada desde o começo?